Que fosse crescer pelo outro lado! – Parece que ela estava ouvindo o esbravejar de Augusto. Às vezes ele exagerava. Outras vezes ela queria ser como ele: corajosa. Mas não era. Ele partiu e ela nem teve coragem de partir com ele. Continuou vivendo. Viveu aqueles últimos 20 anos num inverno sombrio.
Ambos suspiraram. Um passarinho pousou perto deles. Outrora, Tigrão sairia em disparada atrás do pássaro, mas hoje não. Hoje ele queria a companhia do solzinho que teimava embrincar de esconde-esconde por entre as nuvens e ficar ali ao lado dela.
O inverno, que insistia em dar o ar da graça, trazia um vento gelado. Ela cobriu Tigrão com o seu xale. Ele tremia de frio. Aquele estava sendo o inverno mais rigoroso dos últimos 20 anos, desde que Augusto partira.
Ambos, ela e o cão, ansiavam pela primavera. Pelo cheiro das flores, o calor do sol, o florido da vida. Há tempo que a vida não florescia. Precisavam da “primaverar” novamente.
Um soninho foi batendo, vagarosamente. “Feche os olhos, Tigrão. Vamos tirar um cochilo”. De repente, o som dos automóveis foi diminuindo. Tigrão ainda, como todo cão fiel, tentava manter os olhos abertos a fim de cuidar da segurança de sua amiga. Mas a idade e o sol que, de repente, surgira tão quente, foram mais fortes e ele adormeceu.
Outro suspiro. Este mais longo e profundo.
“Au,Au,Au” -“Tigrão, deixe os pássaros cantarem”.
Ainda era inverno no calendário. Mas os pássaros estavam voltando a cantar. Um cheiro caracterÃstico de flores pairava pelo ar. Ah, que saudade da primavera.
Au,Au,Au” – “Tigrão, fique aqui, não corra atrás do passarinho!”.
Mas ele correu. Correu como nos velhos tempos. Correu como se a vida lhe desse outra chance. Estava, novamente, “primaverando”.
Ela abriu os olhos para ter certeza de que o velho cão, realmente, tinha saÃdo atrás do passarinho e deu de cara com Augusto sentado embaixo da amoreira. Tigrão já estava ao seu lado. Ele já tinha feito a passagem das estações.
Pela primeira vez em anos, ela tomou coragem. Ansiava pela Primavera. Então, levantou-se da cadeira e foi em busca das flores e do doce gosto da amora. Não teve medo, porque já era Primavera em seu coração.E assim, ela foi “Primaverar” novamente, junto ao seu amor.